Não é por estar envolvido de corpo e alma na campanha para eleger seu
substituto, Antonio Anastasia, ao governo de Minas Gerais, e muito
menos por distração política, que Aécio Neves deixou de se manifestar
sobre as recentes denúncias, encampadas por José Serra, para tentar
desestabilizar Dilma Rousseff. É um silêncio significativo. Expressivo
como um risco de giz. A metáfora, possível de ser imaginada, que separa o
território de atuação da oposição mineira e da oposição paulista. Ambas
adversárias do governo Lula. Só que a primeira é democrática e a
segunda é golpista.
As duas convivem, no PSDB, por um tempo longo demais, considerando as
divergências políticas que emergiram mais claramente quando os
paulistas cortaram as asas de Aécio pretendente à candidatura à
Presidência pelo partido. Foi a gota d’água para um tucano disposto a
voar. José Serra, ainda governador, bloqueou as prévias internas que
Aécio propunha e forçou o mineiro a abrir espaço para mais uma
candidatura paulista. Aos 68 anos, Serra não tem mais tempo para
esperar, porque, conforme anunciou no palanque que a revista Veja lhe
ofereceu, preparou-se a vida inteira para ser presidente. E, tudo
indica, fracassou.
Há duas semanas, em jantar no Rio de Janeiro, o ex-governador Aécio
Neves empolgou-se ao falar da necessidade de reformas políticas no
Brasil e, para sustentar os argumentos que desenvolvia junto a um grupo
restrito de amigos, ele anunciou: “Eu vou sair do PSDB”, na casa de um
empresário, em Copacabana, cercado de convidados importantes.
O cenário entre ele e os tucanos é de desgaste absoluto, embora no
quadro da campanha presidencial cumpra, em Minas, segundo maior colégio
eleitoral do País, o ritual da fidelidade ao candidato do PSDB. Ele
arregaça as mangas por Serra, mas o esforço cessa no momento em que a
solidariedade partidária pode pôr em risco o projeto que o ex-governador
mineiro tem. Assim, a forte reação do eleitor mineiro excluiu a
presença de Serra na propaganda de televisão de Antonio Anastasia, que
lidera as pesquisas de intenção de voto no estado.
As eleições mineiras sorriem para Aécio. Ele está praticamente eleito
para o Senado e o aliado dele, Itamar Franco, pode ficar com a segunda
vaga. Mas os mineiros não sorriem na direção de São Paulo. Pesquisa do
instituto Vox Populi mostra que apenas 8% do eleitorado, em Minas,
votaria em José Serra “por causa de Aécio”. Reflexo: pesquisa do Ibope
de 13 de setembro aponta Dilma com 31 pontos à frente de Serra.
Não será surpresa a desfiliação de Aécio do partido. O neto de
Tancredo Neves caminha firme nessa direção. Só que em silêncio, como
convém à tradição mineira da qual é herdeiro. A novidade é ter anunciado
agora. Por descuido? Só acreditará nisso quem admitir que político
mineiro se descuida com assunto tão melindroso.
Segundo a conversa desenrolada no jantar em Copacabana, Aécio já tem
um novo projeto político na cabeça. Não vai buscar abrigo em nenhum
outro partido ao abandonar os tucanos. Com a vitória da candidata do PT,
quer estabelecer uma oposição democrática, já que o PSDB- renegou esse
papel ao preferir abraçar o udenismo golpista.
O oposicionista mineiro sempre se afastou disso. Em 2005, manteve
distância do episódio do chamado “mensalão” do PT, quando estava no
governo de Minas. Atacou o ocorrido. De forma tão incisiva quanto
genérica. Reagiu em nome da ética política. Em momento algum, no
entanto, apoiou os movimentos subterrâneos que foram iniciados, sem
sucesso, para abrir processo de impeachment contra Lula. E mesmo
posteriormente, quando Fernando Henrique Cardoso capitaneou o movimento
para que o presidente Lula desistisse de disputar a reeleição, Aécio, no
governo de Minas, não misturou leite no café amargo que FHC,
oposicionista paulista, oferecia.
É bem verdade que a decisão, em2005, pode ter sido companheira da
cautela. Se as lambanças do publicitário mineiro Marcos Valério
acertaram em cheio o PT, o mesmo aconteceria, depois, com o senador
tucano Eduardo Azeredo, um político com trânsito livre no Palácio da
Liberdade, sede do governo mineiro. Aécio foi atingido apenas por
respingos. Ao fim e ao cabo, esse “Valerioduto”, que irrigou de dinheiro
muitas campanhas eleitorais petistas e tucanas, tem a nascente no
território mineiro.
Em 2010, o já então ex-governador de Minas não avaliza o factoide
contra a candidatura Dilma, criado a partir da quebra criminosa de
sigilos fiscais na Receita Federal. Esquivou-se, também, de fazer coro
às acusações contra a ex-ministra Erenice Guerra, da Casa Civil, que
novamente tinha como alvo a candidata do PT. Não é de hoje, portanto,
que ele evita essa linha de ação. Nesse caminho amadureceu uma decisão
que botará em prática em momento mais oportuno após as eleições.
Em 2002, ainda no governo do estado, o tucano Aécio e o petista
Fernando Pimentel, prefeito de Belo Horizonte, surpreenderam os
respectivos partidos quando anunciaram um acordo em torno da candidatura
de Márcio Lacerda, do PSB, para disputar a prefeitura da capital. A
aliança, vitoriosa, provocou reações claras no PT e preocupação no PSDB.
O comportamento diferenciado de Aécio, no ninho tucano, o empurrou
para o desacordo com os paulistas. É bom lembrar que o mineiro já chegou
a pensar vagamente, em 2008, na migração para o PMDB por sugestão do
presidente Lula. Não se deixou seduzir pela possibilidade de ser vice de
Dilma, como, no futuro, não se encantaria com o convite formal para ser
vice de Serra.
Uma possível vitória de Geraldo Alckmin para o governo de São Paulo
seria mais uma sinalização a indicar para Aécio a porta de saída. Não
haverá outra queda de braço com os paulistas dentro do mesmo partido.
Como sugerem as pesquisas, Aécio sairá turbinado na própria base
política dele a partir do pleito de outubro. Ele pode ter uma vitória
capaz de adubar o projeto que cultiva. Tancredo, avô de Aécio, tomou
decisão semelhante, em 1980, após uma declaração de forte impacto
naquela época: “O meu MDB não é o MDB de Arraes”. Foi um repúdio à
chamada ala “autêntica” do MDB que fazia oposição mais radical à
ditadura militar. Reunidos os moderados, Tancredo fundou e presidiu o
Partido Popular (PP). A versão atualizada da frase do avô poderia ser
adotada assim pelo neto: “O meu PSDB não é o PSDB de Serra”. Embora o
PSDB dele não seja golpista. Após isso era só bater a porta e sair.
Definida a eleição de 2010, e confirmada a vitória do PT, o
ex-governador mineiro já com o título de senador se tornará naturalmente
o líder político dos moderados. E igualmente natural será o fato de se
tornar o primeiro candidato de oposição à eleição de 2014. A partir da
criação de nova legenda a tarefa será a de fisgar correligionários e
costurar alianças. Há um amplo horizonte de especulações possíveis. Na
mira dele está uma parte do PSB representada por Ciro Gomes, pelo
prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda e, quem sabe, Cid Gomes,
praticamente reeleito ao governo do Ceará.
Aécio pode buscar aliança com o PP (sigla coincidente com a do
partido fundado pelo avô), cuja liderança maior, o senador Francisco
Dornelles, além de mineiro é parente dele e serviu como auxiliar de
Tancredo, quando esse- se tornou primeiro-ministro no regime parlamentar
de 1964. Essa contabilidade política do novo partido leva em
consideração dissidentes do PMDB e, é claro, do próprio PSDB. Nesse caso
é possível pensar no senador cearense Tasso Jereissati em conflito com
os tucanos paulistas. A bancada do partido que sair da batalha
eleitoral, em Minas, deverá acompanhá-lo.
A consequência do movimento de re-acomodação partidária, que se prevê
para ocorrer no próximo ano, independentemente da dissidência do
ex-governador mineiro, com a inevitável desidratação política do PSDB,
aponta para um cenário absolutamente novo que sugere uma constatação,
não necessariamente marxista, mas obviamente inspirada ligeiramente em
uma das passagens mais conhecidas do Manifesto Comunista de Marx e
Engels. Nela se prevê que o capitalismo moderno, com a multiplicação do
operariado, criaria o seu próprio coveiro.
O cenário político que se forma agora começou no ventre do
capitalismo brasileiro moderno. Mais precisamente em meados dos anos
1970 com o movimento sindical, não revolucionário, fermentado nas linhas
de produção da indústria automobilística do ABC paulista. Ali o velho
Partido Comunista Brasileiro perdeu o controle dos movimentos sindicais.
Os integrantes desse novo universo de operários não era também
marionete de empresários que cultivavam sindicalistas dóceis chamados de
“pelegos”.
O que não se previa é que daquele movimento surgiria o “coveiro” do
setor reacionário do capitalismo, avesso a uma melhor distribuição das
riquezas geradas no País. Ou seja, em favor de uma minoria que recebia a
maior parte do bolo. Fica de fora uma parte substancial que, expressada
em números, significa hoje 30 milhões de pessoas num total de 190
milhões.
O “coveiro” desse modelo capitalista moribundo é um nordestino,
torneiro mecânico, surgido naquelas jornadas operárias do ABC. Apelidado
de Lula, sem estar preocupado com a interpretação sobre o que ele faz,
promove a maior revolução no capitalismo verde-amarelo do pós-Guerra. E,
no plano campo, há campo para a oposição atuar, disputar e ganhar
eleições com votos e não com expedientes golpistas.
Fonte: Carta Capital
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Os comentários são de responsabilidades de seus autores.