Min. Lupi (PDT) |
BRASÍLIA - A fartura
de dinheiro repassado pelo Ministério do Trabalho, de Carlos Lupi (PDT), para
organizações não governamentais contrasta com a precária estrutura de controle
da boa aplicação dos recursos destinados a programas de qualificação de mecânicos,
garçons, marceneiros, entre outros trabalhadores. Levantamento com dados do
Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira) informa que o ministério
acumula R$ 282 milhões em prestações de contas de ONGs, fundações e prefeituras
não analisadas.
Nos documentos
apresentados ao ministério, a Brasil Voluntário informa como endereço um
escritório em Timon, no Maranhão, uma das bases eleitorais de Weverton. Em
2008, ano seguinte à assinatura do convênio, dirigentes da entidade teriam
ajudado a campanha do ex-deputado Chico Leitoa (PDT) à prefeitura local. Leitoa
é um dos principais aliados de Weverton Rocha.
Isso significa que o
ministério liberou o dinheiro, mas não sabe se os serviços foram executados. As
pilhas de prestações de contas estão acumulando poeira desde 2004. Entre as
contas pendentes estão os processos do Instituto Brasil Voluntário - Bravo, ONG
indicada pelo deputado Weverton Rocha (PDT-MA), um dos principais assessores de
Lupi à época da assinatura do convênio entre a entidade e o ministério. A
entidade firmou, em dezembro de 2007, um convênio de R$ 2.184.870,00 com o
pretexto de qualificar jovens para o primeiro emprego. Mas, segundo um fiscal,
depois de receber o dinheiro, desapareceu. Esse fiscal relata que a entidade
entregou a prestação de contas da primeira parcela (aproximadamente R$ 800 mil)
e simplesmente sumiu.
Nos papéis relegados a
segundo plano estão ainda uma das prestações de contas da Fundação Pro-Cerrado,
do empresário Adair Lima, o mesmo que providenciou um avião para Lupi fazer uma
viagem ao Maranhão no final de 2009. Em 2007, a ONG fez convênio de R$
2.379.282,62 também para qualificar trabalhadores, mas as contas da entidade
não foram analisadas. A ONG já caiu na malha fina da CGU e está sob
investigação do Ministério Público do Distrito Federal.
Relatório da
Controladoria-Geral da União (CGU) aponta graves irregularidades no convênio.
Entre outras ilegalidades, os fiscais verificaram "indícios de fraude na
formulação de planilhas de custos de cursos de qualificação específica" e
"pagamentos indevidos a servidores públicos".
Em entrevistas ao
GLOBO, "ongueiros", políticos e servidores públicos relatam que o
"descontrole" no ministério é generalizado e facilita desvios e uso
político-eleitoral dos cursos de qualificação profissional. Ano passado, o
ex-secretário de Políticas de Emprego Ezequiel Nascimento, então um dos três
principais auxiliares de Lupi, fez campanha a deputado distrital pelo PDT com a
ajuda de dirigentes da Confederação Nacional dos Evangélicos (Conae), ONG que
tinha convênio com a pasta. Em fotos de álbuns da campanha, Nascimento aparece
ao lado de pessoas ligadas à ONG.
O sistema de controle
do bom uso do dinheiro público é ínfimo. Do começo de 2010 até o início do mês
passado, o ministério manteve apenas uma pessoa para analisar contas de todos
os convênios. A tarefa é considerada impossível. Só o Projovem, programa
destinado a qualificar jovens em início de carreira, consome uma média de R$
400 milhões por ano. Com o recrudescimento das denúncias, o setor foi
reforçado. Agora, conta com quatro técnicos. Ao todo, o ministério dispõe de 16
profissionais para analisar a papelada das ONGs. Técnicos da área dizem que,
para fazer um serviço de qualidade razoável, seria necessário, no mínimo,
dobrar esse contingente.
A interface entre ONGs
e o Ministério do Trabalho cabia a um seleto grupo de, agora, ex-auxiliares de
Lupi: Marcelo Panella, ex-chefe de gabinete; Ezequiel Nascimento,
ex-secretário; e Weverton, ex-assessor especial. Entre as entidades ligadas a
Panella estariam a CCM Cidade Maravilhosa e a ABPA (Associação Brasileira de
Prevenção de Acidentes), no Rio de Janeiro. O ministro não participava das
conversas com donos de ONGs. Ele só entrava em cena para selar os compromissos
e reforçar a cumplicidade entre o dono do cofre e a entidade beneficiada.
A Conae é também um
ponto de conexão entre as entidades financiadas pelo Ministério do Trabalho e o
escândalo que resultou na demissão do ex-ministro do Esporte Orlando Silva.
Numa das prestações de contas da ONG constam cinco notas fiscais no valor total
de R$ 670.259 fornecidas pela JG Alimentos e Serviços Gerais, empresa de Miguel
Santos Souza. O empresário é acusado de fornecer em Brasília notas fiscais
frias para as ONGs do soldado João Dias, pivô da queda de Orlando Silva.
A farra das ONGs,
investigada pela Polícia Federal, pelo Ministério Público Federal e duramente
criticada pela Comissão de Ética da Presidência, aprofundou o racha do PDT e
isolou ainda mais o ministro. O ex-deputado Vivaldo Barbosa (PDT-RJ), um dos
principais herdeiros do ex-governador Leonel Brizola, entende que Lupi perdeu
as condições políticas de permanecer no ministério e não apenas pelas
irregularidades denunciadas. Para Vivaldo, o mais grave em tudo isso foi que Lupi
mentiu para o Congresso e para a presidente Dilma Rousseff ao negar qualquer
vínculo com o ongueiro Adair Meira.
— Antes da assinatura
dos convênios ou da liberação de cada parcela, o Lupi ligava (para o
beneficiário do contrato) e dizia: "olha, o convênio foi aprovado",
"o dinheiro vai ser liberado" etc. — disse um ex-colaborador do
ministro.
O ministério não fez
comentários sobre as ligações de Lupi para dirigentes de ONGs e prefeituras
beneficiadas com convênios. Procurado pelo GLOBO, Weverton não quis dar
entrevista. Segundo um de seus assessores, o deputado disse não ter vínculo com
a ONG Brasil Voluntário. Ezequiel Nascimento e Adair Meira não atenderam as
ligações do jornal. No telefone do Instituto Brasil Voluntário que aparece na
internet ninguém atendeu as ligações do jornal na quarta, quinta e sexta-feira.
— A questão da mentira
pesa. A forma como ele respondeu a todas aquelas questões não é a recomendável.
Está claro que o ministro não tem condições de ficar. Um ministro não pode
exercer um cargo cercado de dúvidas — disse Vivaldo.
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